"A rua das ilusões perdidas"
Os habitantes são, como disse o
homem certa ocasião, meretrizes, cafetões, jogadores e filhos da puta, pelo que
se referia a Todo Mundo. Se o homem tivesse olhado por outro ângulo, poderia
dizer ‘Santos e anjos, mártires e abençoados’ e estaria significando as mesmas
coisas”. O trecho é do livro de John Steinbeck, intitulado “A rua das ilusões
perdidas”, um clássico da literatura mundial que minou as terras ásperas de
leitores durante a década de 40 do século passado. A atualidade contextual
dessa obra é uma dádiva que nem mesmo o tempo cronológico e silencioso pode
transfigurar, negar ou emudecer. Os homens ainda vivem hoje como se fossem
duplos mórficos, como se pudessem germinar do antagonismo platônico, ou, de uma
idiossincrasia sartreana.
O homem de hoje é o mesmo
condenado de sempre que traz como verdade única a sua grande mentira
existencial. Ele acha que pode sustentar a sua banalidade pelo tempo que dura
sua própria vida. Por isso, nas eleições que passaram, foi acometido de sua
própria atrocidade religiosa para burlar a própria concepção de bondade em nome
de preceitos e conceitos que mal pode compreender. Morto na própria ignorância
revelou-se hipócrita e submergido na condição de sua perdida ilusão. A ilusão
de achar-se vivo e regenerado na figura de um salvador escolhido sobre o contrassenso
que é a mentira de sua existência. A mentira de sua condição de votar. A
mentira de sua condição de escolher.
O homem de John Steinbeck, aquele
que olha e ver “Santos e anjos, mártires e abençoados”, e que não pode enxergar
os “filhos da puta” que se proliferam no vasto campo dos cenários eleitorais,
também é o mesmo que na Europa do Século XV, quando Martinho Lutero pregava na
porta da Igreja do Castelo com as suas noventa e cinco teses, não conseguia
acordar ao som da reforma. O ataque que Lutero promoveu à igreja tradicional
era mais que preconceito, inveja ou política. Era uma tentativa de resiliência aos
próprios olhos, tão desgastados no cotidiano do olhar incrédulo.
Lutero figurava o sustentáculo
para a alma na condição da fé. E este homem, que é mesmo de todas as épocas,
olha e nada pode ver. A não ser, a sua grande mentira que ele olha e nega. Ele
nega o olhar para a única verdade que sustenta, a sua mentira de fé interior.
Lutero queria uma igreja sem corrupção, voltada para um humanismo e livre de um
papado interesseiro. Mas, ele não viveu o suficiente para presenciar o que
deixara como legado de sua oposição à igreja tradicional. O mundo não seguira
os mesmos moldes, desde então. Tanto o homem de John Steinbeck, como a proposta
de igreja luterana coadunam com essa modernidade que vivemos. Quando você olha
e apenas ver “uns filhos da puta” também pode estar diante de “mártires e
abençoados”. São as mesmas coisas.
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